O nosso último artigo teve uma repercussão tão impressionante que resolvemos desdobrar um pouquinho mais o assunto de fraudes amigas causadas por crianças fazendo compras utilizando inocentemente (na maioria dos casos) o cartão de crédito dos pais. E sabe o que é mais impressionante? Não faltam histórias (MUITO) insólitas sendo contadas por aí.
Ah, e importante lembrar que fraude amiga, apesar do nome, não representa necessariamente uma fraude. Trata-se, na verdade, de uma contestação realizada não por malícia, mas por confusão ou desconhecimento por parte do portador do cliente, ao não reconhecer uma compra (muitas vezes on-line) geralmente feita por crianças, parentes ou amigos que tiveram acesso ao cartão de crédito.
Depois do caso do menino australiano de 7 anos que comprou um bonequinho por um valor de aproximadamente R$ 28 mil, trouxemos outros relatos surpreendentes de alguns “acidentezinhos” que aconteceram de maneira semelhante, enquanto brincavam com o smartphone ou computador dos pais ou que tinham acesso a cartões de créditos cadastrados. E acredite: já teve até carro sendo comprado por uma criança de 1 ano, como a garotinha da foto aí em cima. Isso: UM ANO!
Veja só:
110 churros – e mais um docinho
Este caso aconteceu no Brasil, inclusive, e repercutiu bastante no Twitter. Mas não envolveu necessariamente uma criança usando um cartão de crédito: ela escolheu pagar na entrega do pedido.
O que aconteceu foi o seguinte: um menininho de 4 anos do Rio de Janeiro usou o celular da mãe, enquanto ela dormia, e fez uma comprinha básica na internet para o lanche: 110 churros de chocolate – e mais um “doce fino de morango”, como aparecia na conta postada pela madrinha do garoto nas redes sociais.
A mãe só se deu conta do ocorrido quando o entregador chegou com os 110 churros. Ela precisou passar quase uma hora argumentando que não poderia receber o pedido e que sequer tinha dinheiro ali para pagá-lo. O entregador, contrariado, deu meia volta.
Outro episódio semelhante que ocorreu no Brasil envolveu outro pedido de comida: um menino no Pará comprou pelo celular 11 x-bacons – a intenção dele era fazer uma surpresa para o pai e a mãe (e que surpresa!).
Neste caso, porém, os pais ficaram com os sanduíches e precisaram chamar a família toda para ajudar a comer tudo.
Viagem para a Disney
Outra criança, esta no Reino Unido, não se interessou tanto por comida enquanto brincava com o celular dos pais. A menina de 9 anos preferiu comprar uma viagem para toda a família ir a Paris, na França, para conhecer a Disneyland e subir a Torre Eiffel (na modalidade VIP). As compras totalizaram pouco mais de mil libras (ou algo como R$ 5 mil).
A garotinha, na verdade, pegou o celular do pai enquanto ele dormia e começou a navegar pela internet. Sem saber direito como, ela conseguiu entrar em uma conta do pai e realizou as seguintes compras:
- 400 libras em passagens aéreas e um voucher para um hotel
- 392 libras para a Disneyland Paris
- 214 libras em uma entrada VIP para toda a família subir a Torre Eiffel
O pai só se deu conta do ocorrido três dias depois, quando percebeu que estava com mil libras a menos na conta. As férias em família em Paris não aconteceram: todas as compras foram canceladas a tempo, e ele conseguiu reaver o dinheiro.
R$ 30 mil em créditos no Fifa
Um outro caso impressionante ocorreu no Canadá: um jovem de 17 anos realizou diversas transações em uma modalidade do game futebolístico Fifa 16 para Xbox e causou um prejuízo de – acredite – US$ 7,6 mil. Isso significa quase R$ 30 mil, e em apenas um mês!
O pai, desolado ao receber uma fatura de cartão de crédito com diversas folhas A4 grampeadas com cada lançamento feito no cartão, decidiu se desfazer do Xbox do filho e prometeu que nunca mais um videogame entraria naquela casa. A conta ficou para a família, mesmo.
R$ 19 mil em doações para um youtuber
Este caso foi transmitido ao vivo por um gamer espanhol, que tem mais de 34 milhões de seguidores no YouTube. Durante uma sessão em que convidava fãs para interagirem e até jogarem uma partida de Fortnite, ElRubius passou a receber uma série de doações de altíssimo valor. A primeira delas foi de US$ 2 mil (R$ 7,9 mil) e deixou o youtuber com esta cara aqui:
O fã do ElRubius passou a fazer outras pequenas doações e chegou até a entrar na live. Rolou um climão quando o youtuber ouviu a voz infantil do outro lado da linha e descobriu que as doações bem gordas vinham de um jovem de 13 anos, que não explicava muito bem a origem do dinheiro e dava respostas evasivas. Diversas vezes o gamer pediu para conversar com os pais do garoto, que continuava fazendo a egípcia.
No total, o espanhol recebeu US$ 4,3 mil em doações do super fã – mais de R$ 19 mil. ElRubius tentou entrar em contato com os pais do garoto e também com a plataforma Twitch, por onde era feita a live para os fãs. Ele decidiu doar o valor arrecadado para outros gamers com menos seguidores.
Um carro (!!!)
Isso mesmo: uma criancinha de apenas 1 ano conseguiu comprar um carro enquanto brincava com o telefone celular do pai. O caso ocorreu nos Estados Unidos, em 2013, quando uma garotinha, sem querer querendo, adquiriu um Austin-Healy Sprite, um carro antigo fabricado nos anos 1960.
O pai da garotinha, na verdade, já vinha pesquisando sobre carros antigos para restaurá-los. Ou seja: tanto aplicativos de compras como navegadores de internet já estavam “viciados” com este tipo de pesquisa. Foi só deixar o smartphone na mão do bebê, contar com uma improvável combinação de cliques e voilá: transação confirmada em um marketplace.
Por sorte, a compra teve um valor relativamente baixo se pensarmos em um carro: apenas US$ 225, ou menos de R$ 1 mil. O pai da menina optou por não contestar o caso junto ao marketplace: ele decidiu ficar com o veículo (que estava em um estado de conversação bem precário) e restaurá-lo para dar de presente à menininha quando ela tiver idade para dirigir.
O que fazer nesses casos?
Por contrato, ao menos aqui no Brasil, o consumidor tem o direito de solicitar o estorno de qualquer transação realizada com cartão não presente – inclusive on-line. Por mais que o e-commerce que tenha recebido uma compra “sem querer” feita por uma criança utilizando os cartões dos pais, num primeiro momento, o chargeback será realizado.
Caberá ao lojista provar que aquele pedido não foi fruto de uma fraude deliberada e sim de uma fraude amiga, e que não deve arcar com os custos daquele pedido. E só o fato de entrar nessa disputa por um chargeback pode causar um transtorno operacional além do esperado.
De qualquer forma, um e-commerce pode contar com o seu fornecedor de análise de risco para evitar situações como algumas das mencionadas acima. Afinal de contas, como diz um grande amigo da Konduto (o Leandro Garcia, fundador da consultoria 4Axon), um antifraude é capaz de ajudar um e-commerce a entender quem é o seu cliente. E, quando uma transação sair deste padrão, levantar um sinal de alerta e recomendar uma verificação mais atenta por parte do time de operações. Isso com certeza evitaria alguns transtornos, tanto do lado do lojista como, também, a alguns pais.
Será que é normal alguém doar mais de R$ 19 mil em menos de uma hora para uma celebridade da internet? Ou, então, gastar R$ 30 mil em só um mês enquanto joga um game de futebol? Ou, como foi o caso do post da semana passada, gastar R$ 28 mil em um bonequinho?
Provavelmente não. E não precisaríamos ser nenhum William Shakespeare para dizer que havia algo de podre no Reino da Dinamarca: um simples contato telefônico por parte do vendedor – ou dos antifraudes, das adquirentes e tudo mais – teria matado essa questão e poupado algumas dores de cabeça por aí.