Quatorze de setembro de 2019.
Não sei se você já tem algo marcado para este dia, mas quem trabalha ou lida com e-commerce na União Europeia está torcendo para ele demorar a chegar.
O motivo: é nesta data que entra em vigor um pacote de novas regras de segurança que tem o intuito de minimizar os riscos de fraude nas transações on-line realizadas no bloco.
Parece legal, certo? Sim, mas o problema é que os bancos, os meios de pagamento, os varejistas e os consumidores não estão, digamos, muito bem preparados para estes novos tempos. E quatorze de setembro, já diria Fernando Vanucci, é logo ali.
O principal motivo de preocupação para o setor tem só três letrinhas: SCA, sigla para “Strong Customer Authentication” , ou, em uma tradução livre, “Forte Autenticação do Cliente”.
Tá, mas o que é isso?
Parte de uma diretiva aprovada pelo parlamento europeu em novembro de 2015, o SCA não vai permitir que uma transação on-line seja concluída por lá sem o uso da autenticação de dois fatores. Ou seja, além de preencher os dados habituais, o consumidor vai precisar de outro elemento (que pode ser desde um novo código enviado pelo banco por SMS, por exemplo, até uma validação da impressão digital no aparelho celular) para finalizar o pagamento.
Como diria Arnaldo Cezar Coelho, a regra é clara: se as empresas de comércio eletrônico não implementarem essas alterações no processo de compra, os bancos, a partir do dia 14 de setembro, vão automaticamente recusar os pagamentos que não atenderem aos critérios do SCA.
“Isso basicamente vai exigir que todos os lojistas europeus reestruturem seus fluxos. Tenho quase certeza de que se trata da maior migração que os varejistas de e-commerce europeus já tiveram que fazer”, disse Patrick Collison, chefe-executivo da gigante de tecnologia norte-americana Stripe, em entrevista ao jornal britânico Financial Times.
Desafiador, né? Acho que a palavra é preocupante. Pesquisa encomendada pela própria Stripe ao instituto 451 Research e publicada em maio apontou que 73% dos varejistas on-line consultados afirmaram que não conhecem bem as novas exigências de autenticação nas compras – e o número cresce nas empresas de menor porte.
Meio em cima da hora, é verdade, mas isso já vai gerando uma mobilização. A Federação Europeia de Instituições de Pagamento promoveu em maio em Bruxelas, na Bélgica, um workshop para discutir as mudanças. Empresas como Amazon, Apple, Stripe, Visa e Worldpay estiveram presentes, assim como membros da Comissão Europeia.
Já o Ecommerce Europe, um órgão representativo do setor de comércio digital na região, publicou um documento de orientação para ajudar os varejistas a se prepararem para a aplicação do SCA.
Prejuízo bilionário
Já deu para entender por que o 14 de setembro assusta tanto, certo? Além de toda essa migração que o nosso amigo Collison citou acima, as empresas também consideram que poucos consumidores já instalaram o aplicativo do banco ou forneceram o número de celular para facilitar na autenticação que será obrigatória. Outro problema, segundo os executivos, é que as novas técnicas não foram testadas em grande escala.
Quer mais um problema? A União Europeia tem 6 mil bancos, e há o receio de que eles interpretem as regras do SCA de maneiras diferentes, exigindo, por exemplo, autenticação por meio de voz, ou reconhecimento facial, ou impressão digital, ou PIN, ou qualquer outra coisa que mostre que o comprador é de fato o comprador. Cabe ao segmento do mercado de pagamentos construir os produtos certos para lidar com o novo processo.
O resultado de tudo isso você já deve estar prevendo. Sem conseguir concluir a compra, muitos consumidores simplesmente vão abandonar seus carrinhos, e as taxas de conversão dos varejistas vão desabar. Aquela mesma pesquisa Stripe/451 Research calculou que a União Europeia poderia perder 57 bilhões de euros (ou cerca de R$ 250 bilhões, na cotação atual) em atividade econômica no primeiro ano de implementação do SCA.
Para você ter uma ideia do “preju”, o número representa quase 10% do valor estimado de faturamento do e-commerce europeu para 2019 – 592 bilhões de euros. A exemplo do Brasil, o setor está crescendo ano a ano na União Europeia, onde mais de 300 milhões de pessoas já compram on-line.
Antifraude x antivenda
Vale explicar que a indústria do e-commerce europeu não é contra as mudanças do SCA. Pelo contrário. O vice-presidente da Worldpay, Shane Happach, também citado pelo Financial Times, disse que o objetivo inicial – de combater as fraudes – é “realmente nobre”. No entanto, executivos estão pressionando para que haja uma espécie de “período de carência” a partir de 14 de setembro.
A ideia é que todos os envolvidos na complexa cadeia do e-commerce tenham mais tempo de se adaptar melhor aos novos tempos – e, consequentemente, evitar grandes perdas. O SCA chega para conferir mais segurança às transações on-line no Velho Continente, mas, ao mesmo tempo, pode desacelerar o crescimento do próprio e-commerce na região. Será que não há melhores formas de barrar a fraude?
Ah, se você chegou até aqui e ficou com medo de o Brasil de repente seguir o modelo da União Europeia, não se preocupe. Não há nenhuma perspectiva de regulamentação do processo de venda on-line nestes moldes por aqui.