O crime virtual compensa no Brasil? O aumento dos mais variados tipos de golpes on-line em meio à pandemia do novo coronavírus serviu para reaquecer o debate em torno da necessidade de uma lei federal que tipifique as fraudes cometidas pelos meios digitais – e que imponha punições mais rigorosas.
Ao menos três projetos de lei (PL) sobre o tema já estão tramitando no Senado Federal. O PL 4.554/2020, por exemplo, propõe mudanças no Código Penal para fixar pena de quatro a oito anos de reclusão ao “criminoso que praticar fraude por meio de dispositivo eletrônico ou de informática, conectado ou não à internet, com ou sem a violação de mecanismo de segurança, ou com utilização de programa malicioso”.
Conforme publicado pela Agência Senado, esta pena também é prevista para os casos em que o condenado “se vale de dados eletrônicos fornecidos pela vítima ou por terceiro induzido ao erro, seja por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento”. Por fim, a punição aumentará em um terço caso o crime seja praticado por meio de um servidor mantido fora do território nacional e em dois terços se for aplicado contra pessoa idosa.
Também tramita no Senado o PL 2.068/2020, já aprovado na Câmara dos Deputados, que muda o Código Penal para estabelecer novos tipos de estelionatos. Estes deverão prever pena um terço maior do que os casos de “estelionato comum” (atualmente a lei prevê reclusão de um a cinco anos e multa de R$ 500 mil a quem cometer este crime). Dentre estes novos tipos de estelionato está “o praticado por qualquer meio eletrônico ou outros meios de comunicação de massa”.
Por fim, o PL 4.620/2020 acrescenta um dispositivo ao Código de Processo Penal (CPP) para “definir a competência no crime de estelionato virtual segundo o local do prejuízo da vítima, ou seja, o de seu domicílio ou sua agência bancária”. Hoje, a interpretação literal do CPP dificulta a investigação de alguns crimes cibernéticos por levar em conta o local em que o crime foi praticado – só que em muitos casos o golpista faz uso de contas laranja ou de endereços de residência fictícios. É isso que este projeto evitaria caso aprovado. Se você quiser saber mais sobre os três PLs que tramitam no Senado, clique aqui!
Golpes disparam na pandemia
A necessidade de mudanças que sirvam para que o combate aos crimes virtuais seja mais efetivo já é antiga, mas ganhou caráter de urgência em meio à pandemia, quando milhões de brasileiros passaram a usar os canais eletrônicos para fazer compras e transações financeiras – e golpistas, é claro, tiraram proveito disso das mais variadas formas.
Um levantamento da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) mostrou que as instituições registraram um aumento de 80% nas tentativas de ataques de phishing durante o período de isolamento social. Já os golpes do falso funcionário e falsas centrais telefônica cresceram 70%, enquanto o golpe do falso motoboy avançou 65%. Por fim, o estudo também aponta que houve alta de 60% em tentativas de golpes financeiros contra idosos. Você pode acessar os detalhes da pesquisa da Febraban neste link aqui.
Definitivamente estes não são os únicos dados que mostram o aumento do volume de golpes em 2020. Um levantamento do laboratório dfndr lab, da PSafe, apontou que 3 milhões de brasileiros tiveram a conta no Whatsapp clonada apenas entre janeiro e julho de 2020.
Além disso, quem acompanha o blog da Konduto viu 20 tipos de fraudes que surgiram usando a pandemia como mote (desde o falso auxílio-emergencial até barris de cerveja grátis) e soube que a taxa de tentativas de fraude nos comércios eletrônicos também avançou na quarentena (chegando a alcançar 4% em março).
Acredite, mas os criminosos estão tirando proveito até do PIX, o sistema de transferências instantâneas do Banco Central que só vai começar a funcionar em novembro. Os golpistas se passam por instituições financeiras e pedem dados sigilosos das vítimas para supostamente fazerem um pré-cadastro no novo meio de pagamento. Saiba mais aqui.
A sensação de impunidade
Por que existem tantos golpes on-line no Brasil? A resposta tem vários fatores – e fizemos um texto apenas sobre isso há algum tempo – mas ao menos um destes motivos está no título deste texto: sim, em muitos casos o crime virtual compensa.
E por que ele compensa? Também podemos listar alguns motivos, a começar justamente pela ausência de punições rigorosas. “A certeza da impunidade gera um incentivo e um impulso ainda maior para que o crime aconteça. Caso o projeto de lei (que endurece a punição ao crime virtual) seja aprovado, existirá muito mais subsídios e condições de gerar uma punição mais efetiva contra os criminosos”, afirma Adriano Volpini, diretor da Comissão Executiva de Prevenção a Fraudes da Febraban.
Outro motivo é que golpes assim são muitas vezes rentáveis sem necessariamente depender exatamente de uma grande estrutura e conhecimento tecnológico. Recentemente, repercutiu na imprensa e nas redes sociais o áudio de um criminoso se gabando de faturar R$ 20 mil em duas semanas com clonagem de Whatsapp – uma fraude que exige apenas técnicas de engenharia social (uma ligação telefônica e uma boa conversa para enganar a vítima).
Mas é claro que os estelionatários do ambiente on-line também se aproveitam de um “alcance” maior. Uma campanha de phishing, por exemplo, pode chegar a milhões de pessoas – e este é um dos motivos que os parlamentares apontam para que a punição no on-line seja até maior que uma fraude no mundo real.
Outra razão para o crime virtual por vezes compensar foi explicada por Erik Pereira de Siqueira, agente da Polícia Federal atuante na repressão de crimes cibernéticos, no evento Prevention Talks 2019. “O potencial dos crimes virtuais costuma ser minimizado porque eles são ‘invisíveis’, mas temos que estar cientes de que estes crimes fomentam tráfico de drogas, quadrilhas e até homicídios. O criminoso também faz gestão de risco e ainda tem uma sensação de impunidade no mundo virtual”. afirmou.
Sim, podemos não “ver” o crime virtual acontecendo, mas a realidade é que ele impõe enormes prejuízos para o setor público, para empresas privadas (quem é do e-commerce sabe muito bem disso) e para a sociedade como um todo. Combater a fraude on-line é um dever de todos, e esta recente mobilização em torno do assunto já é um sinal positivo.